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sábado, 21 de novembro de 2009

NIGUÉM FALA ERRADO

NIGUÉM FALA ERRADO

 Diogo Xavier


Desde o início da Lingüística Moderna, com os estudos de Saussure, a linguagem vem sendo vista como um fenômeno eminentemente social. Porém, o estabelecimento de um campo de estudo enfocando especificamente esse aspecto, a sociolingüística, se deu em 1964. De 11 a 13 maio desse ano, a Universidade da Califórnia em Los Angeles, por iniciativa de William Bright, reuniu 25 pesquisadores para uma conferência sobre o caráter social da linguagem.

Nenhuma língua é uniforme, ela muda com o passar do tempo e varia geográfica e socialmente. A respeito disso, Calvet (2002) diz:

(...) pode-se perceber numa língua, continuamente, a coexistência de formas diferentes de um mesmo significado. Essas variáveis podem ser geográficas: a mesma língua pode ser pronunciada diferentemente, ou ter um léxico diferente em diferentes pontos do território. (...) Mas essas variáveis podem também ter um sentido social, quando, em um mesmo ponto do território uma diferença lingüística é mais ou menos isomorfa de uma diferença social. (CALVET, 2002, p.89-90).

Isso implica dizer que a variação linguística varia numa mesma região conforme as classes sociais. E qual é a classe social que domina a variedade de prestígio, considerada a “única correta”? A classe dominante, a elite cultual e econômica.

Segundo Possenti, (apud Faraco; Tezza, 2005, p.16), para quem pretende ter uma visão adequada do fenômeno da linguagem, dois fatos devem ser levados em conta: “a) todas as línguas variam, isto é, não existe nenhuma sociedade ou comunidade na qual todos falem da mesma forma; b) a variedade lingüística é o reflexo da variedade social e, como em todas as sociedades existe alguma diferença de status ou de papel entre indivíduos ou grupos, essas diferenças se refletem na língua.”. Se em nenhuma comunidade ou sociedade as pessoas falam da mesma forma, por que devemos considerar uma ou outra forma de falar errada, incorreta? Não devemos. Todas as formas de falar são válidas e cumprem sua função de comunicar, dentro do contexto adequado. Num país de dimensões imensas como o Brasil, as pessoas já deveriam saber o valor e a importância da diferença, seja ela linguística, étnica, religiosa, entre muitas outras.

As diferenças sociais, assim como as lingüísticas, geram o preconceito. Para Bagno (2003), o preconceito lingüístico é uma forma do preconceito social. “Se discriminar alguém por ser negro, índio, pobre, nordestino, mulher, deficiente físico, homossexual, etc. já começa a ser considerado ‘publicamente inaceitável’, (...) fazer essa mesma discriminação com base no modo de falar da pessoa é algo que passa com muita ‘naturalidade’.” (BAGNO, 2003, p.16). Uma pessoa que discrimina um negro, um pobre ou uma mulher, por exemplo, é fortemente repreendida na sociedade atual. Isso é um grande avanço rumo ao fim do preconceito. Porém, como Bagno citou, se um indivíduo discrimina outro pela sua forma de falar, que é decorrente de sua classe social, ela está, de forma mais ou menos indireta, discriminando a própria classe social da pessoa atingida.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados pelo Ministério da educação, reconhecem a existência do preconceito lingüístico e os prejuízos que acarreta na sala de aula:

O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma “certa” de falar ─ a que parece com a escrita ─ e o de que a escrita é o espelho da fala ─ e, sendo assim, seria preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 2000, p.31).

Assim, “todas as sentenças produzidas pelos falantes de uma língua são bem formadas, independentemente de serem próprias da chamada língua-padrão ou de outras variedades.” (BORTONI-RICARDO, 2004, p.71). Marcos Bagno defende que à escola cabe “levar os alunos a se apoderar também das regras lingüísticas que gozam de prestígio, a enriquecer o seu repertório lingüístico, de modo a permitir a eles o acesso pleno à maior gama possível de recursos para que possam adquirir uma competência comunicativa cada vez mais ampla e diversificada ─ sem que nada disso implique a desvalorização de sua própria variedade lingüística.” (apud Bortoni-Ricardo, 2004, p.9). Por esse motivo é importante e essencial que o aluno aprenda a variedade culta, da elite, mas sem esquecer a variedade que ele aprendeu em casa, na rua ou nos recreios da escola. A competência comunicativa é o que permite ao falante “saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa.” (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 2000, p.31-32).

O ensino da Língua Portuguesa também tem o papel de lutar contra as dominações sociais. Com isso, o domínio da norma de prestígio deve possibilitar aos falantes das camadas populares a chance de lutar pela cidadania com os mesmos instrumentos que possuem os que pertencem às camadas sociais privilegiadas. Para Magda Soares, o indivíduo deve aprender a norma de prestígio “não para adaptar-se à sociedade, mas para lutar contra ela, para adquirir essa arma que os dominantes têm e que é poderosíssima. (...) um instrumento de luta contra a discriminação social, um instrumento que permita ao indivíduo a participação política.” (apud Faraco; Tezza, 2005, p.69).

Tal perspectiva, ancorada no referencial teórico que acabamos de expor, fornece o contexto de valores e de instrumentos conceituais dentro do qual devemos desenvolver nossa prática de ensino da Língua Portuguesa.

Referências:

CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.

POSSENTI, Sírio. Não existem línguas uniformes. In FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristovão. Prática de Texto para estudantes universitários. 13ª ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

BAGNO, Marcos. A norma Oculta: língua, poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola, 2003.

SOARES, Magda Becker. O povo não fala errado. In FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristovão. Prática de Texto para estudantes universitários. 13ª ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

Ministério da educação/Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. 2ª ed. Brasília: MEC, 2000.

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