Okay. Um estudante de engenharia
civil decidiu fazer Enem ‘por fazer’ e, segundo ele diz, para testar o sistema
mais rigoroso de correção do Enem 2012, escreveu no meio do texto um parágrafo
instruindo como se faz um ‘delicioso miojo’. Tirou 560.
Está iniciada a polêmica. A mídia espalhou a redação como bandeira da ineficácia da avaliação das redações do Enem. E praticamente todo mundo reproduziu o discurso.
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De fato, foi inusitada a pausa para
‘miojo’, porém, como um todo, trata-se de uma produção que possui um nível
razoável, sem graves erros gramaticais. O texto desenvolveu o tema dentro dos
limites do gênero dissertativo-argumentativo, mesmo que abordando de maneira
previsível e próxima ao senso comum. Houve uso de informações para argumentar e
uma sugestão, ainda que superficial. Se não fosse a 'pausa para miojo', a nota
seria maior. Eu avalio que entre 600 e, no máximo, 700.
Quem conhece os critérios de
correção do Enem, sabe que 560 não é uma nota extraordinária e nem é muito mais
alta que a nota que eu daria, ignorando o ‘parágrafo culinário’, com base nos
parâmetros do Enem. Não houve desrespeito aos direitos humanos, menos de 7
linhas nem fuga total do tema. Esses são praticamente os únicos fatores que anulam a
redação. Para saber mais sobre as competências avaliadas na correção da redação, clique aqui. Trata-se do Manual de Redação do Enem 2012. A propósito, fuga total do tema é quando o texto inteiro está fora do tema proposto, o que não foi o caso.
O Enem avalia a capacidade de expor ideias sobre um tema, defender um ponto de vista por meio de argumentos e propor uma solução ou forma de conscientização social. Tudo isso na variedade padrão da língua.
Com essas queixas geradas pela mídia ávida por polêmicas e pelos desinformados, ocorrerão mudanças nos critérios de correção. O que é negativo. Meu medo quando o
Enem passou a ser adotado para os vestibulares foi que ele se tornasse mais
mecanizado e menos preocupado com a contextualização de conhecimentos práticos
no dia a dia. É o que está acontecendo com a redação do Enem. A pressão da
mídia (e de quem reproduz os discursos dela) é para que a correção passe a
contabilizar erros (como nos vestibulares tradicionais), em vez de considerar o
texto como um todo, como uma unidade de sentido, cujo objetivo maior é
transmitir e defender opiniões, além de propor soluções viáveis para problemas abordados. Com isso, o
que era um Exame Nacional do Ensino Médio, uma avaliação fundada nas concepções
mais atuais de educação, passa a ser um simples vestibular unificado.
Não digo que a correção do Enem é impecável: são muitas redações, muitos corretores, pouco tempo. Enfim, falhas podem ocorrer, mas, do caso dessa redação, não houve motivos para anular, nem para uma nota muito abaixo da que o texto obteve. Portanto, a meu ver, a nota dessa redação não prova nada. O fato é que a maioria das pessoas fala muito sabendo pouco. Reclamem com propriedade, não reproduzindo discursos sem ao menos se informar.
P.S.:
1. Muitos dos que escreveram nas redes sociais demonstraram que não chegam perto da competência na escrita que o autor do texto em questão possui.
2. Ninguém chega para querer mudar a forma como engenheiros civis projetam construções (a não ser eles mesmos). Da mesma forma, ninguém se mete a dar pitacos na forma como um cirurgião procede, ou como um oncologista trata uma pessoa com câncer. Creio que ninguém se propõe a questionar a forma como químico trata a água, ou faz ligas metálicas. Eles passam anos e anos estudando, se preparando, treinando, adquirindo experiência, por isso eles trabalham com o que trabalham. Por isso confia-se no trabalho deles.
Como no Brasil a educação não é levada a sério, qualquer brasileiro se acha educador, conhecedor das teorias da educação. Qualquer um acha que sabe ensinar, que sabe como se corrige uma redação, como se procede uma avaliação.
Se qualquer pessoa buscar, numa biblioteca universitária, estudos sobre avaliação, encontrará inúmeros artigos, monografias, teses, dissertações, frutos de pesquisar, discussões, experimentos, diálogo entre especialidades (psicologia, psicopedagogia, linguística, educação, sociologia, antropologia, etc.). Se buscar sobre o ensino da produção textual encontrará inúmeras outras produções. Um profissional da área de educação precisa de apropriar de tudo isso ao longo de sua formação, e mesmo ao longo de sua atuação profissional. O ENEM e os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) são construídos com base nesses estudos e estão em constante discussão.
Por quê, então, o ilustre cidadão brasileiro insiste em se achar especialista do ensino da língua e da avaliação de redações?! A imprensa o faz porque precisa de polêmicas para gerar audiência. Cabe ao cidadão se informar antes de propagar discursos prontos, baseados na ignorância e total falta de informação.
Outro exemplo disso tudo? Eu já publiquei AQUI.
(Um tanto longo para um post scriptum, mas a revolta foi grande)
Bem, grande abraços a todos. Deixo aberto o espaço para discussão, desde que sem baixar o nível e respeitando a opinião alheia.
Professor Diogo Xavier
tags: enem 2012, redação, miojo, imprensa, receita
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